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Comentário ao Acórdão no processo C-441/19, TQ/Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid

Antes de adotar uma decisão de regresso relativamente a um menor não acompanhado, um Estado-Membro deve verificar que um acolhimento adequado está disponível para o menor no Estado de regresso.

Em junho de 2017, TQ, menor não acompanhado então com 15 anos e quatro meses de idade, apresentou nos Países Baixos um pedido de autorização de residência de duração limitada a título do direito de asilo. No âmbito deste pedido, TQ indicou que nasceu em 2002 na Guiné. Após o falecimento da sua tia com a qual vivia na Serra Leoa, TQ veio para a Europa. Em Amesterdão (Países Baixos), foi vítima de tráfico de seres humanos e de exploração sexual, situação da qual resultaram as perturbações psíquicas graves de que atualmente padece. Em março de 2018, o Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Secretário de Estado da Justiça e da Segurança, Países Baixos) decidiu oficiosamente que TQ não podia beneficiar de uma autorização de residência de duração limitada, tendo o rechtbank Den Haag, zittingsplaats’s-Hertogenbosch (Tribunal de Haia, com sede em Bois-le-Duc, Países Baixos) esclarecido que TQ não tem direito ao estatuto de refugiado nem pode beneficiar de proteção subsidiária. Em conformidade com o direito neerlandês, a decisão do Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid equivale a uma decisão de regresso.

Em abril de 2018, TQ interpôs recurso dessa decisão no rechtbank Den Haag, zittingsplaats’s-Hertogenbosch, alegando nomeadamente que não sabe onde os seus pais residem, que não conseguirá reconhecê-los quando regressar, que não conhece mais nenhum membro da sua família e que não sabe sequer se tais membros existem.

O rechtbank Den Haag, zittingsplaats’s-Hertogenbosch explica que a regulamentação neerlandesa procede a uma distinção com base na idade do menor não acompanhado. No que respeita aos menores que tenham menos de 15 anos na data de apresentação do pedido de asilo, é efetuada uma investigação sobre a existência de um acolhimento adequado no Estado de regresso, prevista no artigo 10.º da Diretiva 2008/115, antes de ser adotada uma decisão relativa a este pedido, sendo concedida a estes menores uma autorização de residência comum quando tal acolhimento não exista. Em relação aos menores que, na data da apresentação do pedido, tenham idade igual ou superior a 15 anos, como é o caso de TQ, tal investigação não é realizada, sendo que parece que as autoridades neerlandesas aguardam que os menores em questão cumpram 18 anos de idade para em seguida executarem a decisão de regresso. Assim, durante o período que medeia entre a apresentação do seu pedido de asilo e o cumprimento da sua maioridade, a residência nos Países Baixos de um menor não acompanhado com idade igual ou superior a 15 anos é irregular, mas tolerada.

Foi neste contexto que o rechtbank Den Haag, zittingsplaats’s-Hertogenbosch decidiu questionar o Tribunal de Justiça sobre a conformidade com o direito da União da distinção operada pela regulamentação neerlandesa entre os menores não acompanhados com mais de 15 anos e aqueles que têm menos de 15 anos.

O Tribunal de Justiça declara que, quando um Estado-Membro pretenda adotar uma decisão de regresso relativamente a um menor não acompanhado ao abrigo da Diretiva «Regresso», deve necessariamente ter em conta o interesse superior da criança em todas as fases do processo, o que implica realizar uma apreciação geral e aprofundada da situação desse menor. Segundo o Tribunal, o facto de o Estado-Membro em causa adotar uma decisão de regresso sem ter previamente garantido que existe um acolhimento adequado no Estado de regresso tem por consequência que esse menor, embora seja objeto de uma decisão de regresso, não pode ser afastado quando tal acolhimento não exista. Tal menor é deste modo colocado numa situação de grande incerteza quanto ao seu estatuto jurídico e ao seu futuro, nomeadamente quanto à sua escolarização, à sua relação com uma família de acolhimento ou à possibilidade de permanecer no Estado-Membro em causa, o que contraria a exigência de proteger o interesse superior da criança em todas as fases do processo. Daqui resulta que, não estando disponível um acolhimento adequado no Estado de regresso, o menor não acompanhado não pode ser objeto de uma decisão de regresso.

O Tribunal de Justiça precisa, neste contexto, que a idade do menor não acompanhado em causa constitui apenas um elemento de entre outros para verificar a existência de um acolhimento adequado no Estado de regresso e para determinar se o interesse superior da criança deve conduzir a que não seja adotada uma decisão de regresso relativamente a esse menor. Assim, o Tribunal de Justiça indica que um Estado-Membro não pode proceder a uma distinção entre menores não acompanhados em função apenas do critério da sua idade para verificar se tal acolhimento existe.

O Tribunal de Justiça declara igualmente que, atendendo à obrigação que incumbe aos Estados-Membros de adotarem uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de um país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território e de procederem ao seu afastamento o mais rapidamente possível, a Diretiva «Regresso» opõe-se a que um Estado-Membro, depois de ter adotado uma decisão de regresso relativamente a um menor não acompanhado e de ter garantido que existe um acolhimento adequado no Estado de regresso, se abstenha em seguida de proceder ao seu afastamento até que este cumpra 18 anos de idade.

Nesse caso, o menor em causa deve ser afastado do território do Estado-Membro em causa, sob reserva da evolução da sua situação. A este respeito, o Tribunal declara que, na hipótese de o acolhimento adequado no Estado de regresso deixar de ser assegurado durante a fase do afastamento do menor não acompanhado, o Estado-Membro em causa não poderá executar a sua decisão de regresso.

Fonte: JusJornal