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Relação de Lisboa decide que os tribunais podem, antes mesmo de proceder a sua remoção do cargo, notificar o depositário para depositar à ordem do Tribunal o montante arrolado, como consequência da má administração da quantia a si confiada

O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, a 22 de março de 2022, que havendo indícios que o depositário não está a guardar e administrar a quantia arrolada com a diligência e zelo de um bom pai de família, o Tribunal pode notificá-lo para entregar ao tribunal o montante arrolado, mesmo antes do procedimento de remoção de depositário.

O caso passou-se pelo seguinte: AA apresentou o procedimento cautelar de arrolamento de bens contra BB, para garantir a conservação, durante a discussão sobre quem é o seu legítimo proprietário (AA ou BB), do montante de € 296.000,00 (duzentos e noventa e seis mil euros) existente na conta bancária do segundo, o requerido, valor esse que a primeira, a requerente, alega ser seu. Tendo sido provado o justo receio de extravio deste montante, a medida foi decretada, seguindo-se a respetiva execução, sendo por isso nomeado um depositário.

Conforme o art.º 408 do Código de Processo Civil, o depositário será, em princípio, aquele que tem a posse ou a detenção dos bens, a menos que, havendo dúvidas fundadas sobre a possibilidade ou probabilidade de dissipação de bens, se mostre aconselhável a nomeação de outro depositário.

É precisamente este o cerne da questão: na sequência das movimentações realizadas pelo requerido, a requerente invocou haver o risco de se perder o rasto da quantia, vindo por isso solicitar que o tribunal notificasse o requerido para proceder ao depósito da quantia arrolada à ordem do Tribunal, pedido este que foi negado pelo tribunal.

Inconformada, recorreu ao Tribunal da Relação de Lisboa.

Este tribunal relembra que é dever do depositário administrar os bens com a diligência e zelo de um “bom pai de família”, devendo guardar a coisa depositada e restituí-la quando para tal for notificado pelo tribunal.

Neste sentido, invocando jurisprudência de outros tribunais e por entender haver indícios que o depositário não cumpriu estes deveres, nomeadamente a diligência e zelo na administração, o tribunal declara que nada obsta a que o tribunal, na sequência de requerimento da parte, o notifique para depositar o montante arrolado à ordem do tribunal, mesmo sem dedução de incidente de remoção de depositário, esclarecendo ainda que este procedimento é condição para que, eventualmente, se defina a responsabilidade penal do depositário pela prática do crime previsto e punido no Artigo 355º do Código Penal, e não para decretar a entrega da quantia arrolada à ordem do tribunal.