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O uso abusivo do nome de figura pública enquanto marca registada

É pertinente questionar até que ponto é legítimo que alguém registe uma marca para se apropriar de um nome e da visibilidade associada a ele, visando obter lucros.

Muitas figuras públicas registaram os seus nomes como marcas, como ocorreu com Cristiano Ronaldo (CR7) e Lionel Messi (The Messi Store), adotando-as como parte integrante da sua estratégia de imagem mediática.

São inúmeros os casos de disputas legais envolvendo o uso de nomes de figuras publicas de renome em contencioso de marcas. Geralmente, essas disputas têm por fundamento a proteção dos direitos de imagem e a prevenção de exploração não autorizada da fama de uma pessoa para fins comerciais.

Tais litígios ocorrem frequentemente quando alguém regista o nome de uma personalidade famosa como marca e tenta explorar comercialmente sua imagem ou reputação sem autorização.

Casos famosos: Michael Jordan:

Um exemplo famoso é o caso envolvendo a marca “Michael Jordan”. Em 2015, o ex-jogador de basquete Michael Jordan entrou com um processo contra a empresa chinesa Qiaodan Sports, acusando-a de usar seu nome chinês e sua imagem sem permissão para promover produtos esportivos. O caso foi levado aos tribunais na China, onde Jordan acabou vencendo a disputa e obtendo o direito de usar seu nome em produtos esportivos naquele país.

O caso Taylor Swift:

Outro caso notável é o de Taylor Swift. Em 2014, a cantora Taylor Swift registou a marca “Swift” para uma série de produtos relacionados à música. No entanto, uma empresa de computadores chamada SwiftKey, que desenvolveu um aplicativo de previsão de texto para smartphones, entrou com um pedido de cancelamento da marca, alegando que o termo “Swift” era muito genérico e amplamente utilizado no mercado. O caso foi resolvido fora dos tribunais, com a empresa de tecnologia concordando em não contestar o uso da marca “Swift” pela cantora.

A atracção do futebol: Messi e Ronaldo

Lionel Messi e Cristiano Ronaldo também estiveram envolvidos em disputas relacionadas ao uso de seus nomes em marcas.

No caso de Lionel Messi, em 2011, uma empresa espanhola denominada J.M.-E.V. e Messi Cuccittini apresentou um pedido de registo da marca “MESSI” para uma variedade de produtos, incluindo roupas desportivas e equipamentos. Messi contestou o registo, alegando que seu sobrenome era amplamente conhecido como sua marca pessoal e que o uso indevido poderia causar confusão entre os consumidores.

Em 2018, o Tribunal Geral da União Europeia decidiu a favor de Messi, anulando o registo da marca “MESSI” pela empresa espanhola.

No caso de Cristiano Ronaldo, em 2015, uma empresa chinesa chamada Xintong Tiandi Technology solicitou o registo da marca “CRISTIANO RONALDO” na China para produtos como bolsas, roupas e bebidas alcoólicas.

Ronaldo accioonou judicialmente a empresa requerente chinesa, alegando violação de seus direitos de propriedade intelectual.

Em 2017, um tribunal chinês decidiu a favor de Ronaldo, afirmando que o uso do seu nome na marca poderia levar a confusão e implicar uma associação não autorizada com o jogador.

Esses casos destacam a importância dos direitos de imagem e da proteção das marcas pessoais de figuras públicas famosas. Celebridades como Messi e Ronaldo têm interesse em proteger seus nomes e reputações contra o uso não autorizado por terceiros, especialmente quando isso pode levar a confusão ou explorar indevidamente sua fama para fins comerciais.

O caso Neymar

Carlos Moreira, um cidadão português residente em Guimarães, apresentou em 17 de dezembro de 2012 um pedido de registo da marca nominativa “NEYMAR”™ no Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) para artigos de vestuário, calçado e chapéus.

Esse pedido foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias nº 2013/002, em 3 de janeiro de 2013.

Em 12 de abril de 2013, a marca foi registada com o número 11432044, cerca de dois meses antes do talentoso futebolista Neymar da Silva Santos Júnior ser transferido do Santos FC para o FC Barcelona, onde permaneceu até a temporada 2016/2017!

Essa publicação tornou o registo da marca válido e eficaz em todo o território da União Europeia, tornando o cidadão português o proprietário da marca durante quase três anos.

Tudo mudou quando, em 11 de fevereiro de 2016, o jogador brasileiro iniciou um processo no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) para declarar a nulidade da marca registada para todos os produtos designados.

Essa decisão pode estar relacionada ao fato de o jogador ter assinado um contrato de exploração de direitos de imagem com a marca NIKE em 2014, o que provavelmente reforçou a necessidade de iniciar o processo judicial para proteger a identidade da marca dos produtos comercializados sob o nome “Neymar Jr. Nike”.

Analisando o caso em questão: Carlos Moreira terá violado o artigo 52.º, n.º 1, b) do Regulamento (CE) n.º 207/2009, de 26 de fevereiro de 2009 [entretanto revogado pelo Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017]?

De acordo com esse dispositivo, “a nulidade da marca comunitária é declarada […] sempre que o titular da marca não tenha agido de boa-fé no ato de depósito do pedido de marca”.

A má-fé é uma noção determinável, mas indefinida. O TJUE, no caso Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli AG vs. Franz Hauswirth GmbH (C-529/07, EU: C:2009:361), estabeleceu três fatores que auxiliam na interpretação desse conceito: “o conhecimento ou o dever de conhecimento do requerente de que terceiros usam, pelo menos num Estado-Membro, um sinal idêntico ou semelhante para um produto idêntico ou semelhante, suscetível de gerar confusão com o sinal objeto do pedido de registo; a intenção do requerente de impedir esse terceiro de continuar a utilizar esse sinal; e o nível de proteção legal conferido ao sinal do terceiro e ao sinal objeto do pedido de registo”.

O Acórdão Copernicus-Trademarks vs. EUIPO – Maquet (LUCEO), T 82/14, EU:T:2016:396, acrescentou que esse conceito “relaciona-se com a motivação subjetiva da pessoa que apresenta um pedido de registo de marca, ou seja, uma intenção desonesta ou outro motivo que cause danos. Implica um comportamento que vai contra os princípios éticos ou os usos honestos na indústria ou no comércio”.

A decisão do TJUE:

Considerando que se trata de um fator subjetivo que deve ser avaliado caso a caso, o TJUE concluiu que o registo de uma marca com o nome de alguém famoso, por si só, indica má-fé. Portanto, a alegação do requerido de que, na época do pedido, o desportista ainda não era conhecido na Europa e que ele não tinha conhecimento de que era uma estrela em ascensão no futebol, não foi relevante.

O Tribunal contrapôs que Neymar já era uma pessoa reconhecida publicamente, especialmente pelos resultados alcançados com a seleção brasileira, tendo recebido grande atenção da média na Europa entre 2009 e 2012, principalmente na França, Espanha e Reino Unido.

O requerente da marca também alegou ter escolhido o nome “NEYMAR” “única e exclusivamente pela fonética da palavra, sem pensar na imagem do interveniente”.

Novamente, o TJUE rejeitou o argumento de que o nome era uma coincidência e não tinha como objetivo explorar a fama do futebolista, especialmente porque no mesmo dia em que fez o registo inicial, o requerente português também apresentou um pedido para a marca “IKER CASILLAS”, na época capitão do Real Madrid, transferido para o FC Porto em 2015!

Portanto, os juízes concluíram que “o requerente tinha mais do que um conhecimento superficial do mundo do futebol”. (sic)

Assim, em 7 de novembro de 2016, a Divisão de Anulação do EUIPO acolheu o pedido do futebolista brasileiro, o que levou o empresário português a interpor recurso em 11 de janeiro de 2017 para evitar a revogação do registo da marca.

A decisão do recurso:

No entanto, a instância de recurso também rejeitou a pretensão do empresário português. Em 6 de setembro de 2017, o recurso foi indeferido por decisão da Segunda Câmara de Recurso do EUIPO, que considerou que o requerente da marca tinha a intenção de se beneficiar indevidamente da reputação do futebolista para obter vantagens financeiras.

Essa decisão confirmou a tese de que o futebolista Neymar, quando registrou a marca, já era reconhecido internacionalmente, sendo comparado a outros futebolistas internacionais de renome, o que despertou o interesse de grandes clubes de futebol europeus em contratá-lo no futuro.

Curiosamente, a decisão do recurso foi proferida cerca de um mês depois de o brasileiro ter realizado a transferência mais cara da história do futebol até então, do FC Barcelona para o Paris Saint-Germain FC, por €222 milhões de euros!

Pode-se dizer que “NEYMAR”™ recebeu um cartão vermelho!