Perda da exoneração do passivo restante – Relação de Lisboa, decide que a doação a terceiros de património que pudesse vir integrar a massa insolvente justifica a recusa do pedido de exoneração do passivo restante
Foi decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, a 13 de julho de 2022, que o devedor que autoriza o cônjuge a doar aos filhos de ambos um quinhão hereditário que constituía o único património apto a satisfazer parcialmente as dívidas de ambos não pode beneficiar da exoneração do passivo restante
No caso agora julgado, AA, casado com BB, ambos insolventes, solicitou o pedido de exoneração do passivo restante, pedido a que o administrador da insolvência e credores se opuseram, pois que BB, cerca de 7 meses antes do início do processo que de insolvência, doou seu quinhão hereditário (e único patrimônio dos insolventes) aos filhos do casal, oposição esta que o tribunal de 1ª instância deu razão e decretou o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.
Chama-se atenção para o fato de o pedido se reportar apenas a um dos membros do casal insolvente, sendo o outro o autor da doação. O tribunal considerou porém que atento o facto de serem casados, a doação carecia da anuência de AA, o que de fato aconteceu e o tribunal considerou censurável e relevante para indeferir o pedido do insolvente AA.
Inconformado, o Insolvente recorreu da sentença argumentando que não havia qualquer prova que permitia concluir pela verificação de qualquer dos fundamentos de indeferimento do pedido de exoneração previstos no n.º 1 do artigo 238.º do CIRE. Acrescentou ainda que, tendo como base o rendimento médio dos insolventes, as dívidas seriam sempre pagas dentro do regime da exoneração do passivo restante.
O Tribunal da Relação do Porto relembrou que BB alienou aos filhos, de forma totalmente gratuita, o seu único património conhecido, numa altura que todas as suas dívidas reclamadas no processo se encontravam vencidas e que AA consentiu.
Neste sentido e por tal comportamento se enquadrar na previsão de uma presunção inilidível, ou seja, que não se pode fazer prova contrária, decidiu o tribunal que AA causou prejuízo sério aos credores, frustrando a satisfação dos direitos dos credores, tendo como resultado o agravamento da situação de insolvência, conforme os dispostos na al. e) do nº 1 do art.º 238º, bem como al. d) do nº2 e nº4 do art.º 186, todos do CIRE.
Por último esclareceu que é irrelevante invocar que, a ser concedida a exoneração, ao fim de algum tempo, os credores poderiam obter a satisfação dos seus créditos, pois que “o que está em questão é a avaliação de um acto que, a montante disso, inibiu os credores de obterem a satisfação do seu crédito, acto esse qualificado como culposo e legalmente qualificado como causal da insolvência. Daí a irrelevância de uma hipotética ulterior mitigação desse prejuízo, por via de ulteriores pagamentos”.